sábado, 26 de dezembro de 2015



EU VIVO ASSIM

Eu vivo assim em eterno transe, meio hermético porque gosto de assuntos profundos, “sou um homem de causas”. Quando o assunto me apraz sou um tagarela como Darcy Ribeiro, sem a pretensão de me comparar com o mestre. Eternamente envolvido com escritores, pensadores, poetas e todas as espécies de loucos, flertando com a literatura marginal, marxista, surrealista, absurdos, políticas e lutas.
Sou polêmico, sonhador e com a pretensão revolucionária de um Che socialista provinciano. Não gosto de ostentação e divulgar minha filantropia, meus atos de caridade e bondade são uma coisa singular. Quase todos os meus tempos disponíveis são dedicados à cultura, ao pensamento, à loucura dos questionamentos, à vanguarda e ao envolvimento com os movimentos sociais no mundo, observando o que o ser humano fez, faz e fará.
Não existe quase nada além da natureza e de estar na beira do mar procurando conchas e objetos que o mar leva para suas costas. Caminhar pela Mata Atlântica, observar estrelas, cuidar de plantas exóticas, parasitas, orquídeas e bromélias e colecionar tralhas antigas.
Gosto de ler tudo o que desafia o meu pensamento: uma possível explicação do mundo, as formas materiais, imateriais, as ideias novas e antigas. Viajo com os pré-socráticos, com Sócrates, Platão, Aristóteles, no renascimento de Petrarca e Giovanni e a maravilha do Iluminismo, o século das luzes, “sapere aude” a nova era iluminada pela razão (acho que não deu muito certo), a ciência e o respeito à humanidade.
Sou cético e sem interesse nos séculos de obscurantismo e ignorância, aprecio os dadaístas, os surrealistas, Breton, Dali, Buñel, a metafísica de Hegel, Heidegger, o existencialismo de Kierkegaard, Sartre, a afirmação de vida de Nietzsche e sentindo a revolta de Camus.
Sou um crítico social, um angustiado, solitário, quase um Gregor Samsa de Kafka, que no fim sofre muito devido ao salva-vidas de chumbo. Mando para o inferno a linguagem, a lógica e a consciência tradicional. Amo a loucura de Artaud e o absurdo de Beckett.
Vivo em função destes amores extremos e outros não muitos explícitos como: Deleuze, Foucault, Bacon, Kant, Paul Nizan. Gosto muito dos contemporâneos como o Sr. Habermas, Baudrilard, Chomski, Baumann (há, sou mais da modernidade sólida), olhando a era da informática e respeitando o pensamento de Paul Virilio e outros culpados pela minha inquietação que agora eu não lembro.
Adoro filmes Cult, diretores como Michael Haneke, Kieslowski, Tarantino, Woody Allen, Wajda, Scorcese, Kubrick, Wim Wenders, Hitchcock, Costa Gavras e outros do mesmo naipe. MPB, teatros, óperas, clássicos, um bom rock, um piano de Rachmaninoff e em especial um bom Jazz, de preferência um Cool de Miles Davis. Acompanho a política mundial (com uma visão brechtiana). Gosto do pop arte, pós-modernismo, geração beat, além da enorme emoção de flanar, colocar o pé na estrada. Tenho um espírito vagabundo, observador, lúcido, ácido, um senso sardônico de humor negro, apaixonado e creio que maldito por viajar por tudo isso.
Meu amigo me chama de Baudelaire, porque junta meus gostos por eternos conflitos humanos, dos mais sublimes aos mais sórdidos. Gosto dos simbolistas, por isso, não posso esquecer Rimbaud, sem deixar de lado Augusto dos Anjos. Porém, estes não ocupam o meu coração como o absurdo de Samuel Beckett. 
Gosto da poesia marginal de Bukowski, do lúgubre, do romantismo sombrio de Allan Poe, do impressionante, do além do além e do cotidiano de Mario Quintana. Tenho um coração cigano por gostar da aventura de ousar e ir a lugares de natureza exuberante e poucos tocados pela mão do homem. Gosto de viver perto do mar, ajudar o pescador a puxar sua rede, estar próximo das montanhas junto ao homem do interior com suas culturas e seus folclores, de uma fogueirinha na beira do lago contemplando estrelas e ouvindo o som do silêncio. Sou muito feliz por ter que carregar tudo isto até morrer, porém eu não poderia viver de outra forma. Odeio ser um homem comum e acho que tenho uns genes que veio do cromossomo de outro louco do passado.  Sou feliz pelo meu filho ter herdado este prazer da leitura e aventuras, só espero que não seja como eu: pobre e sonhador e algumas vezes esquecido.
Que ele não seja um burguês que vai para o exterior só para conhecer a Sorbonne ou a École Normale Superieure, estudar Derrida e não entender nada. Que não cave muito os subterrâneos das metrópoles, pois poderá conhecer o demônio das profundezas e quando der por si, vai estar velho escrevendo e relendo seus textos que deveriam ser mais mostrados quando jovem e não guardados em um baú.
Também não ser muito louco jovem demais, não viver entre láudanos e bebidas, saber dosar a liberdade (não sei se liberdade se dosa), para não ficar libertino e não cair na mesma sina dos habitantes dos subterrâneos. Saber e vencer, nunca saber e não ter, um marginal do sistema. Ocupar uma cátedra para não ser um poeta esquecido, para fugir do lugar comum. Até pode ser avaliado e criticado por um bom crítico, mas nunca por comuns e entre os comuns.
Ficar longe e combater a praga política das corporações que comanda e explora, do neoliberalismo e sua economia nefasta, das confrarias burguesas que saem as ruas com seus estandartes fascistas cuspindo ódio, da oligarquia estúpida que amordaça e mata o erudito. Nunca dê trégua a este vampiro que vive como uma sanguessuga nas costas dos pobres.
Minha cabeça tem 100 bilhões de neurônios e sobra muito espaço para toda a cultura do mundo, mas todos os 100 bilhões de células ficam sem ação quando o paralogismo da oligarquia com seu despotismo, com seu estado de exceção, afetam os hemisférios e calam tudo isso, esta é a praga, o câncer do autoquestionamento, da palavra. Só se pode viver com o livre arbítrio, sem limitações impostas pelos interesses, pela necessidade de poder político ou a predeterminação divina. Sem estes três modelos principais de conduta da oligarquia eu posso ser um sonhador, intelectual, ético e ser livre na minha sociedade. Esta oligarquia pode não me compreender, mas tem a obrigação de respeitar-me.

Jaime Baghá