segunda-feira, 20 de julho de 2015



A classe politica vista pelo prisma de Claudio Kambe


CLASSE MÉRDEA

Virou até moda, por exemplo, a proclamação de que se é um marginal da classe média. Ou mérdea. A segunda forma, num tempo em que o jogo de palavras e o uso da palavrada passaram a valer como sinal de talento, é mais elegante. Mérdea. Podendo grafar isso, então, é o fino do espírito. Compõe bem. Soa a criativo. E, útil, começa a faturar, o que é conveniente e de oportunidade boa.

Mas da classe média você não vai escapar, seu. A armadilha é inteiriça, arapuca blindada, depois que você caiu. Tem anos e anos de aperfeiçoamento, sofisticação, tecnologia, ah o cartão de crédito, o cheque especial, o financiamento do carro, da casa própria e do resto da merdalhada que for moda e, meu, sem ela você não vive. Não respira, é ninguém. Ou melhor, é nada: você já virou coisa do sistema. E não pessoa. Dane-se. Futrique-se, meu bom, meu paspalho, pague prestação pelo resto da vida. E o carro, é preciso o carro. Os donos da arapuca querem você comprando. Compre. E de carro. Ande de carro, ouça música e veja filmes no carro, coma no carro e trepe ali.

Todos os leros. Todos os embelecos, do automóvel ao secador de cabelos, principalmente você deve comprar o de que não precisa. A tevê vai te comandar a vida, meu chapa. A cores. E destas regras do jogo não vai escapulir. Bufonear a classe média, pajear, aturar e ser como ela. Quer queira, quer não.

Afinal, já não está em tempos em que possa pensar com sua cabeça. Ô, meu, você é só manada. Bem pequenininho, lá, no meio da manada. E quieto, bom comprador. Esbirro, sabujo, capacho.

João Antônio, 1986

Monalisa - Bansky


DEBOCHE

O que me diferencia?
Ora, o que me diferencia,
Eu sou o que tu vê
E pensa,
Insólito!
Sou a diferença,
O que procura
E te atura.

Que provas me dão teus deuses,
Tão maus.
Eu sou o onipresente,
Não tua onírica,
Incógnita da tua imaginação,
Tua inquietação.

Sou tua resposta vazia,
Tua afasia.
Olho teus olhos,
Preso ao desterro,
Alforriado,
Eu procuro o erro,
Um pouco amanhã,
Porque escrevo.

A arte me faz diferente
Você reza,
Ora ,
Medita
Inventa-me,
Expulsa
O que nunca viu acredita!

Sua mente incompleta
Delira,
Não acerta,
Não tem o louco devaneio,
É fátuo,
Feio,
Eu, poeta.

Sou como você
Interrogação!
Mas sou o que fica,
O erro,
A razão,
Que se expõe a dor,
Na despedida da amante,
Risos largos,
Em momentos de amor.

Sou o ser refinado,
Impuro,
Comedido,
Gentil.
Pelo teu inferno
Deixo levar-me aos láudanos,
Um fauno senil.

Eu vanguarda,
Tendência.
Você perdido,
Dividido ao nada,
Entre prato e bispote,
Pacóvio do meu mote.

Indignado, um dia de debocheJaime Baghá



                         MAU HUMOR                           

Não me lembro direito, mas li numa revista, um artigo levantando a hipótese de que todo o cara que tem mania de fazer aspas com os dedinhos quando faz uma ironia, é um chato.

Num outro artigo alguém escreveu que achava que jamais tinha conhecido um restaurante de boa comida com garçons vestidos de coletinho vermelho.

Joaquim Ferreira dos Santos, em "O Globo" de domingo, fala do seu profundo preconceito com quem usa a expressão "agregar valor". 

E os gerúndios. Eu posso jurar que toda mulher que anda permanentemente com uma garrafinha de água e fica mamando de segundo em segundo é uma chata. São preconceitos, eu sei. Mas cada vez mais a vida está confirmando estas conclusões. 

E aquelas que se dizem: "força na peruca, amiga" ou que se chamam de "diva, maravilhosa, poderosa e afins"? Imagino logo um grupo de mulheres fracassadas, desesperadas por alguém (masculino, é claro) que pense tudo isto delas. Fujam destas.

Um outro amigo meu jura que um dos maiores indícios de babaquice é usar o paletó nos ombros, sem os braços nas mangas. Por incrível que pareça, não consegui desmentir. Pode ser coincidência, mas até agora todo cara que eu me lembro de ter visto usando o paletó colocado sobre os ombros é muito babaca. 

Já que estamos nessa onda, me responda uma coisa: você conhece algum natureba radical que tenha conversa agradável?

O sujeito ou sujeita que adora uma granola, só come coisas orgânicas, faz cara de nojo à simples menção da palavra "carne", fica falando o tempo todo em vida saudável é seu ideal como companhia numa madrugada? Sei lá, não sei. Não consigo me lembrar de ninguém assim que tenha me despertado muita paixão.
Eu ando detestando certos vícios de linguagem, do tipo "chegar junto", "superar limites", essas bobagens que lembram papo de concorrente a big brother.

Mais uma vez, repito: acho puro preconceito, idiossincrasia, mas essa rotulagem imediata é uma mania que a gente vai adquirindo pela vida e que pode explicar algumas antipatias gratuitas. Tem gente que a gente não gosta logo de saída, sem saber direito por quê. Vai ver que transmite algum sintoma de chatice.

Tom de voz de operador de telemarketing lendo o script na tela do computador e repetindo a cada cinco palavras a expressão "senhooorr", me irrita profundamente.

Se algum dia eu matar alguém, existe imensa possibilidade de ser um flanelinha. Não posso ver um deles que o sangue sobe à cabeça. Deus que me perdoe, me livre e me guarde, mas tenho raiva menor do assaltante do que do cara que fica na frente do meu carro, fazendo gestos desesperados tentando me ajudar em alguma manobra, como se tivesse comprado a rua e tivesse todo o direito de me cobrar pela vaga. Sei que estou ficando velho e ranzinza, mas o que se há de fazer?

Não suporto especialista em motivação de pessoal que obrigue as pessoas a pagarem o mico de ficar segurando na mão do vizinho, com os olhos fechados e tentando receber "energia positiva". Aliás, tenho convicção de que empresa que paga bons salários e tem uma boa e honesta política de pessoal não precisa contratar palestras de motivação para seus empregados. Eles se motivam com a grana no fim do mês e com a satisfação de trabalhar numa boa empresa. Que me perdoem todos os palestrantes que estão ficando ricos percorrendo o país, mas eu acho que esse negócio de trocar fluidos me lembra putaria.

E, para terminar: existe qualquer esperança de encontrar vida inteligente numa criatura que se despede mandando
"um beijo no coração"?
Lula Vieira - Publicitário