sábado, 26 de dezembro de 2015



EU VIVO ASSIM

Eu vivo assim em eterno transe, meio hermético porque gosto de assuntos profundos, “sou um homem de causas”. Quando o assunto me apraz sou um tagarela como Darcy Ribeiro, sem a pretensão de me comparar com o mestre. Eternamente envolvido com escritores, pensadores, poetas e todas as espécies de loucos, flertando com a literatura marginal, marxista, surrealista, absurdos, políticas e lutas.
Sou polêmico, sonhador e com a pretensão revolucionária de um Che socialista provinciano. Não gosto de ostentação e divulgar minha filantropia, meus atos de caridade e bondade são uma coisa singular. Quase todos os meus tempos disponíveis são dedicados à cultura, ao pensamento, à loucura dos questionamentos, à vanguarda e ao envolvimento com os movimentos sociais no mundo, observando o que o ser humano fez, faz e fará.
Não existe quase nada além da natureza e de estar na beira do mar procurando conchas e objetos que o mar leva para suas costas. Caminhar pela Mata Atlântica, observar estrelas, cuidar de plantas exóticas, parasitas, orquídeas e bromélias e colecionar tralhas antigas.
Gosto de ler tudo o que desafia o meu pensamento: uma possível explicação do mundo, as formas materiais, imateriais, as ideias novas e antigas. Viajo com os pré-socráticos, com Sócrates, Platão, Aristóteles, no renascimento de Petrarca e Giovanni e a maravilha do Iluminismo, o século das luzes, “sapere aude” a nova era iluminada pela razão (acho que não deu muito certo), a ciência e o respeito à humanidade.
Sou cético e sem interesse nos séculos de obscurantismo e ignorância, aprecio os dadaístas, os surrealistas, Breton, Dali, Buñel, a metafísica de Hegel, Heidegger, o existencialismo de Kierkegaard, Sartre, a afirmação de vida de Nietzsche e sentindo a revolta de Camus.
Sou um crítico social, um angustiado, solitário, quase um Gregor Samsa de Kafka, que no fim sofre muito devido ao salva-vidas de chumbo. Mando para o inferno a linguagem, a lógica e a consciência tradicional. Amo a loucura de Artaud e o absurdo de Beckett.
Vivo em função destes amores extremos e outros não muitos explícitos como: Deleuze, Foucault, Bacon, Kant, Paul Nizan. Gosto muito dos contemporâneos como o Sr. Habermas, Baudrilard, Chomski, Baumann (há, sou mais da modernidade sólida), olhando a era da informática e respeitando o pensamento de Paul Virilio e outros culpados pela minha inquietação que agora eu não lembro.
Adoro filmes Cult, diretores como Michael Haneke, Kieslowski, Tarantino, Woody Allen, Wajda, Scorcese, Kubrick, Wim Wenders, Hitchcock, Costa Gavras e outros do mesmo naipe. MPB, teatros, óperas, clássicos, um bom rock, um piano de Rachmaninoff e em especial um bom Jazz, de preferência um Cool de Miles Davis. Acompanho a política mundial (com uma visão brechtiana). Gosto do pop arte, pós-modernismo, geração beat, além da enorme emoção de flanar, colocar o pé na estrada. Tenho um espírito vagabundo, observador, lúcido, ácido, um senso sardônico de humor negro, apaixonado e creio que maldito por viajar por tudo isso.
Meu amigo me chama de Baudelaire, porque junta meus gostos por eternos conflitos humanos, dos mais sublimes aos mais sórdidos. Gosto dos simbolistas, por isso, não posso esquecer Rimbaud, sem deixar de lado Augusto dos Anjos. Porém, estes não ocupam o meu coração como o absurdo de Samuel Beckett. 
Gosto da poesia marginal de Bukowski, do lúgubre, do romantismo sombrio de Allan Poe, do impressionante, do além do além e do cotidiano de Mario Quintana. Tenho um coração cigano por gostar da aventura de ousar e ir a lugares de natureza exuberante e poucos tocados pela mão do homem. Gosto de viver perto do mar, ajudar o pescador a puxar sua rede, estar próximo das montanhas junto ao homem do interior com suas culturas e seus folclores, de uma fogueirinha na beira do lago contemplando estrelas e ouvindo o som do silêncio. Sou muito feliz por ter que carregar tudo isto até morrer, porém eu não poderia viver de outra forma. Odeio ser um homem comum e acho que tenho uns genes que veio do cromossomo de outro louco do passado.  Sou feliz pelo meu filho ter herdado este prazer da leitura e aventuras, só espero que não seja como eu: pobre e sonhador e algumas vezes esquecido.
Que ele não seja um burguês que vai para o exterior só para conhecer a Sorbonne ou a École Normale Superieure, estudar Derrida e não entender nada. Que não cave muito os subterrâneos das metrópoles, pois poderá conhecer o demônio das profundezas e quando der por si, vai estar velho escrevendo e relendo seus textos que deveriam ser mais mostrados quando jovem e não guardados em um baú.
Também não ser muito louco jovem demais, não viver entre láudanos e bebidas, saber dosar a liberdade (não sei se liberdade se dosa), para não ficar libertino e não cair na mesma sina dos habitantes dos subterrâneos. Saber e vencer, nunca saber e não ter, um marginal do sistema. Ocupar uma cátedra para não ser um poeta esquecido, para fugir do lugar comum. Até pode ser avaliado e criticado por um bom crítico, mas nunca por comuns e entre os comuns.
Ficar longe e combater a praga política das corporações que comanda e explora, do neoliberalismo e sua economia nefasta, das confrarias burguesas que saem as ruas com seus estandartes fascistas cuspindo ódio, da oligarquia estúpida que amordaça e mata o erudito. Nunca dê trégua a este vampiro que vive como uma sanguessuga nas costas dos pobres.
Minha cabeça tem 100 bilhões de neurônios e sobra muito espaço para toda a cultura do mundo, mas todos os 100 bilhões de células ficam sem ação quando o paralogismo da oligarquia com seu despotismo, com seu estado de exceção, afetam os hemisférios e calam tudo isso, esta é a praga, o câncer do autoquestionamento, da palavra. Só se pode viver com o livre arbítrio, sem limitações impostas pelos interesses, pela necessidade de poder político ou a predeterminação divina. Sem estes três modelos principais de conduta da oligarquia eu posso ser um sonhador, intelectual, ético e ser livre na minha sociedade. Esta oligarquia pode não me compreender, mas tem a obrigação de respeitar-me.

Jaime Baghá 

segunda-feira, 16 de novembro de 2015


SEU DEMERVAL

Lá vem o seu Demerval
O que fait la morale
De bigode aparado
Cabelo Razor Part militar
Patapon, chauvinista
Fâmulo, conservador, cipaio
Neoliberal integralista
Dos abutres o lacaio
O infame da lista

Lá vem o seu Demerval
O hipócrita que se diz honesto
Habitual nos cultos
Tarado e incesto
As filhas de saias compridas
Sem nenhum desalinho
Mas seu olho pérfido
Adora olhar
As pernas da filha do vizinho.

Lá vem seu Demerval
Com atitudes canalhas
Controlador dos dízimos
Chama pobre de gentalha
Acólito perverso do templo
Com ares de honrado
Manipulador na política
Comprador de votos
Gosta do povo manipulado.

Lá vem o seu Demerval
Que sublima os corruptos
Dos enganadores do povo
Dos fabricantes de ignorantes
Assíduo nas confrarias
Amigo dos farsantes
Habitue das espeluncas imundas
Falso e mesquinho
Fanfarrão nos cabarés de segunda

Lá vem o seu Demerval
Secando o suor
Com seu lenço amarrotado
Com seu sorriso senil
Com um ar de tarado
Cumprimentando as meninas
Com sua pantomima zumbaia
Com um olho parado
E o outro agitado

Lá vem o seu Demerval
Com a intragável família
O que ora mais alto
Na primeira fila
Empertigado e fátuo
Os filhos coxinhas fascistas
A mulher maldizente
Nos hábitos sociais
Os primeiros da lista

Lá vem o seu Demerval
O orador furioso
Dono da moral e dos bons costumes
Matreiro, manhoso
Não aceita dúvidas
Quando contestado
Fica entre o macabro e o risonho
Quando atacado
Reage como um demônio

Lá vem o seu Demerval
O dono da “verdade”
Com seus rebentos feiosos
Escutando Skrewdriver
Ofendendo nordestinos
Como são quase maiorias
Neste circo fascista latino
Ganha a insana patologia
E ameaçam nosso destino

Aos Demervais que mentem nos palanques e tribunas, esbravejam nos púlpitos, saqueiam os dízimos, desfilam com estandartes e camisas amarelas para dizerem que são patriotas, enganam o povo, vendem seu país e terminam por criar um estado de exceção corrupto e perverso. Seu Demerval é um político fã da BBB, bíblia, boi e bala, bancada da bala, evangélica e ruralista e outros fascistas.
 Jaime Baghá  Para todos que,  desde menino, tiveram um vizinho Demerval para encher teu saco.


Nós vos pedimos com insistência
não digam nunca: 
isso é natural! 
diante dos acontecimentos de cada dia 
numa época em que reina a confusão 
em que corre o sangue 
em que o arbítrio tem força de lei 
em que a humanidade se desumaniza 
não digam nunca: 
isso é natural! 
para que nada possa ser imutável!

Bertolt Brecht



Dou o nome de Estado ao lugar em que todos, bons e maus, gostam de veneno. Vede, pois, esses que estão a mais! Adquirem riquezas e só conseguem tornar-se mais pobres. Esses impotentes querem o poder e, antes de todo o resto, a alavanca do poder, ou seja, muito dinheiro! Vede-os trepar, esses ágeis macacos! Sobem uns por cima dos outros e empurram-se para a lama e para o abismo.
Friedrich Nietzsche

domingo, 11 de outubro de 2015

Banksy

     REALITY SHOW

Bem vindo ao reality show mundial, onde o rebanho é conduzido pelos tiranos da oligarquia internacional. Subjugados pela abstração financeira, onde política e mídia surgem do mesmo DNA, como diz Simon Shaheen.
Para toda a ilusão continuar aparece o assistente, o iluminador, o editor, o produtor, o apresentador e o diretor para dizer o que vai ao ar.
Em Israel as pessoas vão às ruas para protestar pela alta do queijo Cottage, pelo time de basquete que ganhou a copa, mas ninguém vai às ruas para falar o que acontece aos pacatos palestinos dos territórios ocupados, com suas casas demolidas, seus santuários profanados, suas oliveiras danificadas, com seus civis assassinados num apartheid odioso.
Quanto menos dinheiro você tem, menor é a liberdade. Então, você só pode sonhar nas narrações da ficção ou no fanatismo dos gritos e do histerismo religioso, na caixa do seu Deus Sony ou num “templo” ao lado da tua casa. Toda a loucura e toda a violência está se tornando banal, nada representa as mortes dos miseráveis e dos perseguidos com fome, refugiados sem a proteção da ONU, que perdeu a moral.  Milhares que atravessam os mares buscando amparo na Europa, que enriqueceu saqueando suas riquezas e hoje lhes fecham suas portas.
Em cada tragédia lá esta a equipe, com o iluminador e o editor para o show, mostrando os belicistas parecerem comprometidos com a paz, enquanto as vítimas são apresentadas como os algozes e protagonistas dos conflitos.  
Acho que somos culpados pela própria tutelagem do faz de conta, uma tutelagem fantasiosa, um embuste, uma ilusão imposta pelos mais poderosos que, com mão de ferro e a propaganda, fazem com que os seres humanos obedeçam sem fazerem uso da razão. Vejam os americanos com seu terrorismo destruidor.  Eternamente em guerra, eles saqueiam, invadem, matam e conspiram em todos os governos, mas são apresentados como heróis das telas, pelas mãos do iluminador, do editor, do diretor e do produtor, novamente. 
Não existe muita oportunidade, a justiça não se iguala a todos, ela tem lado. Com o reality shows até alguns ratos da esquerda se agarram à pretensão consumista, à alegria imediata, à promessa burguesa de felicidade, de serem a celebridade (argh) da telinha. Enquanto a globalização do capital devasta o planeta, lá vem a equipe, o iluminador, o apresentador, o editor, o diretor, etc...
O mundo tornou-se um lugar pequeno e todos os vícios estão perto de casa e todo mal muito próximo. Como disse Orwell, “vivemos numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário”.
Mas isso já vem de muito tempo, Theodor Adorno já tinha visto que Hitler nasceu em um programa de rádio, acho que num comercial de cerveja. Quando Adorno foi para os EUA fugindo do nazismo trabalhar com Horkheimer, viram a comunicação de massa nascer com o cinema, em 1910, daí escreveram o texto “Indústria Cultural, o esclarecimento como mistificação das massas”. Walter Benjamin também percebeu conforme seu texto, “A obra de arte na era de sua reprodutilibidade técnica”, de 1936. Foi o começo e o problema da indústria cultural.
Quando escreveram em 1944 a “Dialética do Esclarecimento”, Adorno e Horkheimer perceberam que a cultura estava sendo deformada. A equipe com o apresentador, o editor, o diretor e outros, já preparavam a “cultura de massas”, no qual, o indivíduo teve o seu pensamento reduzido e direcionado a viver mais para a sociedade de consumo, manipulados pela política, legitimando a sociedade capitalista, que garante o alcance do sucesso para bem poucos e os sonhos para muitos. “Já nenhuma ideologia política é capaz de inflamar as multidões, a sociedade pós-moderna não tem mais ídolos ou tabus, já não tem uma imagem gloriosa de si mesma, um projeto histórico mobilizador, hoje em dia é o vazio que nos domina. Mas é um vazio sem tragédia, sem apocalipse”, escreveu o filósofo francês Gilles Lipovetsky.
O Brasil a terceira sociedade mais desigual do mundo segundo a ONU, está se tornando um país podre, não por um presidente ou por uma crise econômica, mas por grupos de interesse, vende-pátria, políticos fisiológicos de plantão que legalizaram a contribuição de empresas para suas campanhas. Criminosos da lei que deveriam nos proteger. Togados intocáveis, judiciário vergonhoso com seus salários escandalosos e milhões de privilégios sem escrúpulos, amparados por suas próprias leis e pela mídia. Atualmente uma força conservadora corrupta que se mostram como defensores da sociedade, mas, querem manter estruturas desiguais e discriminatórias, querendo fazer da ética seu estandarte.
O neoliberalismo nos colocou no interregno, vamos torcer para que ele não vença, porque será sem sombra de dúvida um mundo de exclusão. Em que, seremos apenas mercadorias no mundo globalizado nas mãos das corporações e sua mídia controladora do rebanho.
Não troque o quadro do teu herói latino americano da parede por uma do Milton Friedman, não confie numa doutrina que não atenda as necessidades básicas dos cidadãos. Immanuel Kant ficaria horrorizado de ver aonde foi parar o “homem que saiu da menoridade” porque agora, pior do que antes do iluminismo, os homens vivem sobre a direção e ganância de poucos para um processo destrutivo de muitos.
Desconfie destes porcos, pois é para eles que chega à tua casa o iluminador, o editor, produtor, apresentador, o diretor e até um repórter canalha, dando chutes e rasteiras nos sofridos como Pietra Laszio, para decidirem o que vai ao ar, para mostrar “A Montanha dos Abutres”: o reality show da tua tragédia diária, para os bobos do sofá que fazem parte das estatísticas do horário “nobre”.

Jaime Baghá  - indignado lendo Eugênio Bucci.
                                                
A massa mantém a marca
A marca mantém a mídia
A mídia controla a massa.  
  George Orwell.


Os poetas ancestrais animizaram, com Deuses ou Gênios, todos os objetos sensíveis chamando­os por nomes.

Os adornando com as propriedades de bosques, rios, montanhas, lagos, cidades, nações e com o que quer que seus numerosos e aguçados sentidos pudessem perceber. 

E eles estudaram especialmente o gênio de cada cidade e
 país, colocando-­o sob sua deidade mental; 

Até que um sistema foi formado e alguns tiraram vantagem dele e escravizaram o vulgar ao conseguirem perceber ou extrair as deidades mentais dos seus objetos: assim começou o Sacerdócio; 
Escolhendo formas de adoração a partir de narrativas poéticas. 
E finalmente eles anunciaram que os Deuses tinham ordenado tais coisas. 

Assim os homens esqueceram que todas as deidades habitam o peito humano.

William Blake.




Nós vos pedimos com insistência:

Nunca digam - Isso é natural

Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época em que corre o sangue
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza
Não digam nunca: Isso é natural
A fim de que nada passe por imutável.
Berthold Brecht.



Você nunca tentou saber como um cérebro está organizado?... O aparelho que o faz pensar? Hein? Mas claro que não! Não lhe interessa nem um pouco!... Precisa convencer-se, sinceramente, de que a desordem é a essência da nossa própria vida! De todo o ser físico e metafísico! É a sua alma... milhões, trilhões de circunvoluções... intrincadas, em profundidade, cinzentas, recortadas, mergulhantes, subjacentes, evasivas... Ilimitadas! Esta é a Harmonia! Toda a natureza! Uma fuga do imponderável e não passa disso... Ponho ordem em meus pensamentos; não substituo essa tarefa por outras, materialistas, negativas, obscenas... É preciso procurar o essencial! Você vai, por causa disso, cair em cima do seu cérebro, corrigi-lo, descascá-lo, mutilá-lo, forçá-lo a obedecer a regras obtusas? À faca geométrica? Refazê-lo, crucificá-lo às limitações da burrice?... Armá-lo em camadas como um bolo de aniversário? Com uma pedra dentro! Hein? Responda. Com toda a sua franqueza. Que tal? Seria bom? Interessante! Iria coroar tudo!... É a grande desordem que importa! Os pensamentos prósperos! Tudo tem seu preço... Depois que passa a oportunidade, acabou-se!... Você vai ficar, infelizmente, firme na sua lixeira da razão para sempre! O míope, o cego, o absurdo, o surdo, o maneta o palerma! É você que vem perturbar a minha desordem com esses seus pensamentos depravados... A Harmonia é a única alegria do mundo, a única liberdade, a única verdade. Em ordem! Merda! Em ordem! Habitue-se à Harmonia e a Harmonia descerá até você! E você achará tudo o que procura há muito tempo nos caminhos do Mundo... E muito mais! Uma emboscada inútil de armários! Uma barricada de folhetos! Uma vasta empreitada humilhante! Uma necrópole de mapas! Não sente a vida pululando, fremindo!? Ponha a mão só um pouquinho, um dedinho que seja... Tudo se agita! Vibra no mesmo instante! Está tudo prestes a se lançar, florescer, resplandecer... Não me acho com direito de dizer-te o que é... Muito menos de reduzir, corrigir, corromper, cortar, separar... Hein!?... Aonde é que eu ia achar esse direito? No infinito, na vida das coisas? Não, não é natural, são manobras infames!... Eu continuo em paz com o universo, deixo-o assim como encontro... Não o retificarei nunca!

Louis-Ferdinand Céline

sábado, 5 de setembro de 2015


Festa no Vilarejo do Morro das Mortes

Praça do interior
Domingo de festa
Foguetes riscam os céus
Estouram nos ares
Acordando ladinos tabaréus.

Muita gente
Pouco salão
Sorrisos gratuitos
Tapinhas nas costas
Dos falsos políticos.

O eco nos morros avisa
A procissão da tristeza
Que cantam
Com vozes comovidas
Ave Marias em coro
Embaixo do sol ardente.

Caminham no repique do sino
E perdem a tradição
Sem Terno de Reis ou Entrudo
Sem cantorias do Divino
De Judas e Malhação
Sem Terça-Feira Gorda
Agora tão Conectados
Ofilaine
Internet
Feicibuque
Num chat com Carolaine
Webecam.

Para quem pode
Skype e Google
E celular com andróide.
Curtindo um pagode danado
No pen-drive envenenado
É a cybercultura
Sociedade virtual
“Modernidade líquida”
Que chegou ao arraial.

Onde agroboys desfilam
Com seus carros adesivados
Num som pobre e ingênuo
Na sua nave street-sound.
Para agrogirls desiguais
Numa moda sem igual
Imposta pela comunicação
Biquinho pra selfie
Posse de televisão.

Interior inocência
Chique pobre latino
Mexericar a indecência
Cultura e distorção
Had Not ou redinoti
Com muita americanização.

Interior de festas
Misturas de simplicidade
Com passos ensaiados
Ingênuo e malicioso
Vaidades e manias
Esforço para tornar belo
Disparidade, tudo igual
Maluco este natural.

Praça do interior
Baile de festa
A melhor pose
Indiferentes
Meninos tímidos
Tolos, abusados
Ajeitados
Cara de mau
Uau.

Meninas maquiadas
Caras viradas
Empinadas
Passantes
Jurgadas *
Pueris
Malicias e bacantes.

Tipos simplórios
Espertos
Frívolos
Oposto a metrópole
Cheirando a cidade
Gozo, consumo
Muita artificialidade.

Meu vilarejo
Algumas vezes de renome
Noutras parece Mahagonny.
Soldados acácios
Alertos, confusos
A nova realidade
Povo certo
Noite de festa
Amanhã deserto
Interior de histórias
Sem memória
Bom lugar para ficar louco
E estar certo.

Jaime Baghá  -  Triste por ver morrer as tradições, mas feliz por viver num lugar cheio de festas, onde a violência urbana ainda não chegou, só os personagens do Sr. Bauman,  com uma satisfação instintual  e numa artificialidade agreste de fazer inveja a qualquer metrópole.
*Jurgada(o) - termo açoriano antigo ainda muito usado: Sin. exibida, esnobe, sentimento  exacerbado de superioridade.


"Toda mente profunda necessita de uma máscara" - Friedrich Nietzsche

Que é, pois, a verdade? Um exército móvel de metáforas, de metonímias, de antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal, e não mais como moedas. 
                                    Friedrich Nietzsche.             


segunda-feira, 20 de julho de 2015



A classe politica vista pelo prisma de Claudio Kambe


CLASSE MÉRDEA

Virou até moda, por exemplo, a proclamação de que se é um marginal da classe média. Ou mérdea. A segunda forma, num tempo em que o jogo de palavras e o uso da palavrada passaram a valer como sinal de talento, é mais elegante. Mérdea. Podendo grafar isso, então, é o fino do espírito. Compõe bem. Soa a criativo. E, útil, começa a faturar, o que é conveniente e de oportunidade boa.

Mas da classe média você não vai escapar, seu. A armadilha é inteiriça, arapuca blindada, depois que você caiu. Tem anos e anos de aperfeiçoamento, sofisticação, tecnologia, ah o cartão de crédito, o cheque especial, o financiamento do carro, da casa própria e do resto da merdalhada que for moda e, meu, sem ela você não vive. Não respira, é ninguém. Ou melhor, é nada: você já virou coisa do sistema. E não pessoa. Dane-se. Futrique-se, meu bom, meu paspalho, pague prestação pelo resto da vida. E o carro, é preciso o carro. Os donos da arapuca querem você comprando. Compre. E de carro. Ande de carro, ouça música e veja filmes no carro, coma no carro e trepe ali.

Todos os leros. Todos os embelecos, do automóvel ao secador de cabelos, principalmente você deve comprar o de que não precisa. A tevê vai te comandar a vida, meu chapa. A cores. E destas regras do jogo não vai escapulir. Bufonear a classe média, pajear, aturar e ser como ela. Quer queira, quer não.

Afinal, já não está em tempos em que possa pensar com sua cabeça. Ô, meu, você é só manada. Bem pequenininho, lá, no meio da manada. E quieto, bom comprador. Esbirro, sabujo, capacho.

João Antônio, 1986

Monalisa - Bansky


DEBOCHE

O que me diferencia?
Ora, o que me diferencia,
Eu sou o que tu vê
E pensa,
Insólito!
Sou a diferença,
O que procura
E te atura.

Que provas me dão teus deuses,
Tão maus.
Eu sou o onipresente,
Não tua onírica,
Incógnita da tua imaginação,
Tua inquietação.

Sou tua resposta vazia,
Tua afasia.
Olho teus olhos,
Preso ao desterro,
Alforriado,
Eu procuro o erro,
Um pouco amanhã,
Porque escrevo.

A arte me faz diferente
Você reza,
Ora ,
Medita
Inventa-me,
Expulsa
O que nunca viu acredita!

Sua mente incompleta
Delira,
Não acerta,
Não tem o louco devaneio,
É fátuo,
Feio,
Eu, poeta.

Sou como você
Interrogação!
Mas sou o que fica,
O erro,
A razão,
Que se expõe a dor,
Na despedida da amante,
Risos largos,
Em momentos de amor.

Sou o ser refinado,
Impuro,
Comedido,
Gentil.
Pelo teu inferno
Deixo levar-me aos láudanos,
Um fauno senil.

Eu vanguarda,
Tendência.
Você perdido,
Dividido ao nada,
Entre prato e bispote,
Pacóvio do meu mote.

Indignado, um dia de debocheJaime Baghá



                         MAU HUMOR                           

Não me lembro direito, mas li numa revista, um artigo levantando a hipótese de que todo o cara que tem mania de fazer aspas com os dedinhos quando faz uma ironia, é um chato.

Num outro artigo alguém escreveu que achava que jamais tinha conhecido um restaurante de boa comida com garçons vestidos de coletinho vermelho.

Joaquim Ferreira dos Santos, em "O Globo" de domingo, fala do seu profundo preconceito com quem usa a expressão "agregar valor". 

E os gerúndios. Eu posso jurar que toda mulher que anda permanentemente com uma garrafinha de água e fica mamando de segundo em segundo é uma chata. São preconceitos, eu sei. Mas cada vez mais a vida está confirmando estas conclusões. 

E aquelas que se dizem: "força na peruca, amiga" ou que se chamam de "diva, maravilhosa, poderosa e afins"? Imagino logo um grupo de mulheres fracassadas, desesperadas por alguém (masculino, é claro) que pense tudo isto delas. Fujam destas.

Um outro amigo meu jura que um dos maiores indícios de babaquice é usar o paletó nos ombros, sem os braços nas mangas. Por incrível que pareça, não consegui desmentir. Pode ser coincidência, mas até agora todo cara que eu me lembro de ter visto usando o paletó colocado sobre os ombros é muito babaca. 

Já que estamos nessa onda, me responda uma coisa: você conhece algum natureba radical que tenha conversa agradável?

O sujeito ou sujeita que adora uma granola, só come coisas orgânicas, faz cara de nojo à simples menção da palavra "carne", fica falando o tempo todo em vida saudável é seu ideal como companhia numa madrugada? Sei lá, não sei. Não consigo me lembrar de ninguém assim que tenha me despertado muita paixão.
Eu ando detestando certos vícios de linguagem, do tipo "chegar junto", "superar limites", essas bobagens que lembram papo de concorrente a big brother.

Mais uma vez, repito: acho puro preconceito, idiossincrasia, mas essa rotulagem imediata é uma mania que a gente vai adquirindo pela vida e que pode explicar algumas antipatias gratuitas. Tem gente que a gente não gosta logo de saída, sem saber direito por quê. Vai ver que transmite algum sintoma de chatice.

Tom de voz de operador de telemarketing lendo o script na tela do computador e repetindo a cada cinco palavras a expressão "senhooorr", me irrita profundamente.

Se algum dia eu matar alguém, existe imensa possibilidade de ser um flanelinha. Não posso ver um deles que o sangue sobe à cabeça. Deus que me perdoe, me livre e me guarde, mas tenho raiva menor do assaltante do que do cara que fica na frente do meu carro, fazendo gestos desesperados tentando me ajudar em alguma manobra, como se tivesse comprado a rua e tivesse todo o direito de me cobrar pela vaga. Sei que estou ficando velho e ranzinza, mas o que se há de fazer?

Não suporto especialista em motivação de pessoal que obrigue as pessoas a pagarem o mico de ficar segurando na mão do vizinho, com os olhos fechados e tentando receber "energia positiva". Aliás, tenho convicção de que empresa que paga bons salários e tem uma boa e honesta política de pessoal não precisa contratar palestras de motivação para seus empregados. Eles se motivam com a grana no fim do mês e com a satisfação de trabalhar numa boa empresa. Que me perdoem todos os palestrantes que estão ficando ricos percorrendo o país, mas eu acho que esse negócio de trocar fluidos me lembra putaria.

E, para terminar: existe qualquer esperança de encontrar vida inteligente numa criatura que se despede mandando
"um beijo no coração"?
Lula Vieira - Publicitário

domingo, 7 de junho de 2015




“Cada um vive atrás das grades que carrega consigo. Eis por que tantos livros falam hoje de animais. Isso exprime a nostalgia de uma vida livre, natural. Mas a vida natural, para os homens, é a vida de homem. Contudo, ninguém vê isso. Ninguém quer ver. A existência humana é demasiado penosa, por isso queremos nos livrar dela, ao menos pela imaginação. ...Bem abrigados em meio ao rebanho, andamos nas ruas das cidades, para irmos juntos ao trabalho, às manjedouras, aos prazeres. É uma vida precisamente delimitada, como no escritório. Não há mais milagres, só há modos de emprego, formulários e regulamentos. Tememos a liberdade e a responsabilidade. Por isso preferimos sufocar atrás das grades que nós mesmos fabricamos.” 
Franz Kafka 



LIMITE

Livra-te da condição humana
Do teu semelhante danado
Que por ganância engana
Do amor que foi negado
Da incompreensão que te profana

Acabe com teu tormento
Procure tua droga
Com a classe dos perdidos
Ao som da ópera majestosa
Dissolva teus elementos

Não lamentes pelos sórdidos
Tenha a grande solução
Termine teus sofrimentos
Acabe a tua dor
Use a dissolução

Tua alma vai ao nada
Como tua vida mutilada
Tua amargura latente
Tendo como escora a palavra
E paraísos inexistentes

Vá para o céu ou inferno
Para o corredor dos desesperados
Ou para o nada eterno
Mas livra-te do que te dana
Da podre condição humana.

Jaime Baghá -  - Pelas vezes, a procura da intersubjetividade, “Entre quatro paredes” (Huis clos), como na peça de Sartre vendo que “O inferno são os outros”.
           


Louis-Ferdinand Céline


“Eu tinha visto coisas demais suspeitas para estar feliz. Eu sabia demais e não sabia o suficiente. O que é pior é que a gente fica pensando como que no dia seguinte vai encontrar força suficiente para continuar a fazer o que fizemos na véspera e já há tanto tempo, onde é que encontraremos força para essas providências imbecis, esses mil projetos que não levam a nada, essas tentativas de sair da opressiva necessidade, tentativas que sempre abortam, e todas elas para que a gente se convença uma vez mais que o destino é invencível, que é preciso cair bem embaixo da muralha, toda noite, com a angústia desse dia seguinte, sempre mais precário, mais sórdido. É a idade também que está chegando talvez, a traidora, e nos ameaça com o pior. Já não temos música dentro de nós para fazer a vida dançar, é isso. Toda a juventude já foi morrer no fim do mundo no silêncio de verdade. E aonde ir lá fora, pergunto a vocês, quando não temos mais em nós a soma suficiente de delírio? A verdade é uma agonia que não acaba. A verdade deste mundo é a morte. É preciso escolher, morrer ou mentir.”

Louis-Ferdinand Céline