quarta-feira, 30 de julho de 2014

ARIANO SUASSUNA
 Eu tenho uma admiração tão grande por Ariano Suassuna que não poderia deixar de comentar algo sobre este gigante. Referência da dramaturgia brasileira, figura que mais representa o teatro popular. A literatura de Ariano é um marco, é aquilo que o teatro regional e seus personagens brasileiros têm a dizer e ser o maior lutador pela cultura brasileira é o que o diferencia. Ouvi-lo falar era algo fantástico, aquela mistura de gênio crítico e bom humor era impagável, era muito mais que palestras muito mais do que aulas-espetáculo, porque ele prendia a atenção do público com suas histórias como um mágico. O amor pela cultura brasileira e o fazer artístico lhe transformou num personagem mítico da nossa própria cultura.
Eu particularmente acho que Ariano não morreu, acho que foi viver no mundo mágico dos seus personagens. Tenho certeza de que ele foi recebido pela Compadecida (Nossa Senhora), por Emanuel (O Cristo Negro), Dom Pedro Dinis Quaderna, o Palhaço, Chicó, João Grilo e até Severino (Gangaceiro) e o Encourado Diabo, entre Anjos carregando a “Pedra do Reino”, e todos seus personagens e outros que um dia também irão partir, como nós, o povo brasileiro. Ariano defendendo a cultura dizia: “não troco meu ‘oxente’ pelo ok de ninguém”, assim como nós no sul não trocamos o nosso “mas bah tche” também, necessitamos muito viver a nossa própria cultura e nisso Ariano foi o mestre.
Tem um texto de Matias Aires que Ariano leu para o público, a “Carta para Ariano” que Matheus Nachtergaele lhe enviou e um texto de Idelber Avelar sobre Chico Science que gosto muito e reproduzo para vocês.
 Jaime Baghá.

Ariano Suassuna leu para o público um texto de Matias Aires:
“Quem são os homens mais do que a aparência de teatro? A vaidade e a fortuna governam a farsa desta vida. Ninguém escolhe o seu papel, cada um recebe o que lhe dão. Aquele que sai sem fausto nem cortejo e que logo no rosto indica que é sujeito à dor, à aflição, à miséria, esse é o que representa o papel de homem. A morte, que está de sentinela, em uma das mãos segura o relógio do tempo. Na outra, a foice fatal. E com esta, em um só golpe, certeiro e inevitável, dá fim à tragédia, fecha a cortina e desaparece”.


“Carta para Ariano,
Quem te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele que te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas. Toda vez que alguém,  homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos contentes me salva da morte ao me ver Grilo.
Esse que te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: por Jó, cavaleiro sábio que insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil édipo de talento transbordante e melancólicas desculpas. Fui domado por cavaleiros de Sheakespeare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por Dias Gomes. Adentrei perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de todos eles, meu favorito foi teu Grilo.
O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com ferros minha boca cansada. Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e sem chicote, no lombo dolorido de mim e nele descansou. Não corria em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos caminhos. Me fazia sorrir tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da caminhada. Eu era feliz e magro e desdentado e inteligente. Eu deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal percebia a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O amor que já sentia por ele, e por você, Ariano.
Depois do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado, que encontra saídas pelas cêrcas de arame farpado, e encontra sempre uma sombra, um riachinho, um capim bom. Você Ariano, e teu João Grilo, me levaram para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada dos corações de toda gente daqui desse país bonito e duro.
Depois do Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira, com rede de chita e tudo. De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na cadeira de balanço de palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda estória pra nós. Um beijo, meu melhor cavaleiro.
Teu,
Matheus Nachtergaele".


“Ariano Suassuna era um tradicionalista, reacionário no sentido estritamente etimológico da palavra (ou seja, propugnava mesmo que a saída era que se girasse para trás a roda da História) e combateu durante anos o mangue beat. Os amigos pernambucanos da minha geração se lembram: ele se recusava a dizer "Chico Science". Pra ele era "Chico Ciência". E acusava o mangue beat de desnacionalizar a música nordestina e tudo o mais.
Até que naquele fatídico 02 de fevereiro de 1997, Chico bateu o carro da irmã no caminho que ele fazia tantas vezes, entre o Recife e Olinda. Foi o domingo em que todas as nações do maracatu desfilaram em silêncio. E lá estava Ariano, carregando o caixão de Chico Science, chorando copiosamente, desesperado.
Essa imagem, de Ariano Suassuna chorando enlouquecido enquanto carregava o caixão do "Chico Ciência" que ele tanto havia combatido, é para mim uma das mais fortes da cultura brasileira. E é a imagem de Ariano que fica pra mim”.
Idelber Avelar

domingo, 20 de julho de 2014

José Saramago, escritor e poeta português

A CONFRARIA

Fiquei ali olhando o nada
Com vermes envolvidos em preces
Estranhos a minha espécie
Sublimando o que não me agrada

Fiquei ali, alhures, perdido
Entre fantasmas sociais
Como cipaios animais
Entre muitos, escondido.

Fiquei ali numa ficção
Olhando a xenofobia em ação
Na frialdade dos injustos

Que ventre produziu estranhos partos
De vermes obscuros e falsos
Como um soneto de Augusto.

 Olhando a conjunção política-religião da pequena província, lembrei-me de Augusto dos anjos.  
Jaime Baghá


Durante toda a minha vida as pessoas mais inteligentes que conheci não professavam doutrinas religiosas, e sempre demonstraram um caráter de bondade, segurança, sabedoria e justiça. Em muitos religiosos vi a cobiça, inveja, maldade e  ignorância. 

Vendo os anais da história sei que as piores guerras e as mais sangrentas foram em nome de Deus, e é em nome dele que as guerras ainda continuam, caso tivermos uma terceira guerra mundial, tudo nos leva a acreditar que será também em nome de Deus.

Desde as pequenas províncias interioranas até o maior escalão político do meu país eu vejo uma ascensão das bancadas religiosas, isto me causa o temor de uma teocracia, do fanatismo e dos desentendimentos sociais, desviando os caminhos de uma democracia.

Se existe um Deus onipotente, porque criou filhos desta natureza e porque filhos desta natureza criaram Deuses para roubar e matar? Independente do credo, toda a nossa sorte esta nas mãos dos homens e na sua cultura, abominando todas as formas de ignorância. Deus, se alguém acredita, que sirva só para consolar seus infernos interiores.

Sds. Jaime Baghá


Augusto dos Sanjos, poeta brasileiro

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundíssimamente hipocondríaco, 
Este ambiente me causa repugnância... 
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia 
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas 
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, 
E há-de deixar-me apenas os cabelos, 
Na frialdade inorgânica da terra!

 Augusto dos anjos.


VERSOS ÍNTIMOS

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

 Augusto dos Anjos