quarta-feira, 28 de maio de 2014


Como eu conheci a ditadura
Eu não sabia o que estava acontecendo. Lembrava-me de outras inquietações, que mais tarde descobri: era Brizola, um dos maiores políticos deste país, defendendo com a Legalidade a democracia e a posse de Jango (João Goulart) na presidência do Brasil, em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros.
Em 1964, com 13 anos, outra situação de inquietação. Essa bem maior: era a Ditadura Militar no Brasil. Assim, quanto mais eu avançava na idade, mais eu tomava conhecimento dos fatos e mais assustadora ela era.
Quando entrei no Curso de Técnico Agrícola, do antigo “ginásio”, pude obter mais informações sobre o que se passava no país. Pois, tinha os alunos do final de curso, esses com mais de vinte anos e com uma visão mais ampla da situação. Dentre eles o presidente do Grêmio Estudantil, que tinha uma liderança muito forte, era o líder desta turma. Ele e alguns professores nos abriram a mente para os questionamentos políticos e as mazelas da ditadura. O contato com essas pessoas me deu conhecimento sobre o que estava acontecendo no Brasil, neste período comecei a entender as canções e as manifestações artístico-culturais com teor político, em cena na época.  Dei meu adeus a Jovem Guarda. “Alegria, Alegria”, só queria ouvir Chico, Caetano, Taiguara, Vandré e outros da MPB nos efervescentes festivais da canção.
De uma maneira pueril entendíamos que os militares eram os bandidos e os perseguidos os mocinhos, principalmente os estudantes das capitais com suas manifestações contra o regime. Com toda esta informação e vendo a truculência e a irracionalidade dos militares e seus órgãos repressores, eu e outros garotos só não entramos para nenhum grupo porque éramos muito jovens e não tínhamos conhecidos na subversão. Éramos mais pobres e nossa contestação se reduzia a um pequeno grupo de teatro amador do qual fazíamos parte.
Num belo dia, próximo das férias, chegaram os militares no colégio para falar sobre nosso alistamento, aquilo foi à gota d'água. Demos uma violenta vaia no tenente, dissemos que não queríamos servir o exército, não queríamos armas e nem matar estudantes. A situação tomou outro rumo, o tenente - um sujeito magrinho e de voz aguda - arregalou os olhos, deu uma violenta descompostura na turma e no meu caso especial por ser o metido.  Disse que ia me pegar, ameaçou outros da mesma maneira e foi novamente vaiado.
 O alistamento só não terminou em detenção porque éramos menores. Acho que deixamos a direção do colégio em maus lençóis, porque fomos chamados atenção pelo chefe de disciplina e o presidente do Grêmio Estudantil sumiu por um tempo. A situação ficou dramática. Não ganhei meu documento de reservista, a famosa terceira que dava dispensa de servir as forças armadas. Não pude jurar a bandeira (pois, se o tenente me visse estava ferrado), meu pai me enviou para umas férias na casa do meu avô João em Santa Catarina e contou-me que meu avô Chico (parte de mãe) era muito político, ele conseguiu o meu certificado de reservista com ajuda do Deputado Brusa Neto de Porto Alegre. Eu sempre lembrando o olhar furioso daquele tenente, ficava de olho nos lugares aonde ia, fiquei muito tempo me cuidando do tal militar.  Porém, muito provavelmente, aquele militar já tinha se esquecido de nós a muito tempo, não passávamos de meninos.
Em dezembro do ano em 1968, foi baixado o Ato Institucional nº. 5, o famoso AI-5 que definiu o momento mais duro do regime militar, dando poderes de punir arbitrariamente qualquer pessoa que fosse considerado inimigo do regime.  O próprio Deputado Brusa Neto, que me ajudou com o meu cerificado de reservista, foi cassado pelo AI-5.
Após a saída do colégio, eu nunca mais soube do Presidente do Grêmio Estudantil. Recentemente eu soube que ele morreu, e que ele foi político, prefeito de um município do interior do Rio Grande do Sul. Um grande sujeito que mostrou para mim, e creio que a muitos outros meninos, uma visão diferenciada sobre o que era a política.
Sem querer pensar apenas na ousadia de menino, meu momento contra a ditadura foi no “ano que não acabou” (1968), marcado na história do Brasil e do mundo como o grande momento da contestação da política e dos costumes, era “proibido proibir” e eu ainda não sabia disso. Sem saber eu estava com um pé na contracultura escutando os Mutantes e Caetano. Caetano que disse ao público “vocês não estão entendendo nada” e com razão. No ano seguinte já estava curtindo o Festival de Woodstock, o Festival Sul-Brasileiro da Canção em Porto Alegre e perambulando pelas ruas da cidade.
Bem mais tarde também descobri que a ditadura não foi só dos militares, alguns militares até foram contra, foi civil-militar porque contou ativamente com a participação de empresários. Estes mesmos civis fazem parte de uma burguesia entreguista “brasileira”, um câncer que vive hoje como neoliberais. Foram inspirados pelos “conselhos” dos norte americanos para criar entidades como a OBAN, IPES, IBADA, para auxiliar e financiar o golpe e a repressão.
Notei que muita gente queria o golpe, foram atrás de conversa de padres e políticos conservadores, até na família tive uns parentes babacas (todos tem alguns), que ficavam naquele altar de família, propriedade, e bons costumes. Depois se assustaram e passaram a fazer oposição à ditadura. Alguns dos seus filhos continuam idiotas até hoje, achando que se ficarem ricos vão ficar burgueses e inteligentes. Vivem da pecúnia e alguns de conveniência, achando que pobre é vagabundo. Esses são a “abominação política” como diz Marilena Chauí.
Eu me transformei num bom leitor, principalmente dos escritores marxistas. Aprendi que um não pode comer e o outro ficar olhando, entendi a ver melhor que a transformação da sociedade só poderá acontecer por meio de uma distribuição equilibrada das riquezas, das rendas e das propriedades, diminuindo a distância entre ricos e pobres.
Encontrei o pessoal da esquerda festiva (como dizia o safado do Lacerda) e nunca mais fui o mesmo. Se alguma coisa valeu na minha vida foi esta transformação, que me ensinou a gostar de poesias, artes, músicas de qualidade; de ter ótimos amigos, mais sensibilidade e de ser mais humano "demasiado humano" como dizia Nietszche.
Jaime Baghá

“Institucionalizou-se o terror cultural, numa revivescência dos ultrapassados tempos de Hitler. Universidades militarmente ocupadas e os coronéis da linha dura, inquisitorialmente, boçalmente, interrogando as expressões maiores da inteligência e da cultura do Brasil, apreendendo livros, dando buscas nas livrarias, confiscando como subversivos, Guerra e Paz de Tolstoi, Nosso Homem em Havana de Henry Greene, O Vermelho e o Negro de Stendhal. Esses interrogatórios e essas apreensões de livros, se não fossem as trágicas consequências das torturas, dariam um saboroso anedotário, uma antologia folclórica, um expressivo atestado de burrice.” 
Do texto “Memórias de l964” de Djalma Maranhão.



Por: Celso Álvarez Cáccamo
Tenho a sorte de não ter ido nunca à tropa. Jamais na minha vida toquei um fuzil nem pude superar a minha repugnância assombrosa pela cor dos uniformes. A única vez que matei alguma coisa eu tinha sete anos. Ia com um tio meu e um irmão maior; eu levava uma escopeta que errou sempre. O meu irmão matou dois tristes birulicos que logo nem comemos, e durante muitas horas depois senti uma espécie de oco na cabeça, como uma pergunta essencial, humana, libertária, sobre a inutilidade dessas mortes. A morte inútil de dois pássaros é o começo da barbárie.
O exército começa na violência inútil contra dois pássaros, na bofetada injusta de um pai em uma criança. O exército começa na ordem militar das famílias, no imperativo urgente dum homem que chega escravizado, e logo o exército cresce dentro de nós, como uma geometria inapelável, e estende-se ao domínio sexual, à violação, às discussões autoritárias, o exército estende-se ao trabalho onde reproduzimos uma hierarquia celestial, às aulas das universidades, às monarquias, a deus. E logo, quando já o exército contamina quotidianamente a alma e o cérebro, quando já assassinou a utopia com que nascemos e que algum dia havemos recobrar, então é singelo dar-lhe um uniforme, vesti-lo de verde, pôr-lhe um nome e um adjetivo, e acolhê-lo entre nós como se fosse natural e não uma trama dos poderosos e sua consciência para impedir a liberdade.
O exército não é só a instituição mais repugnante jamais criada no planeta: o exército é uma atitude, uma cultura, uma maneira de destruir as coisas. O grau de sofisticação dos instrumentos de destruição e morte é algo tão horrível que só nos pode levar a duvidar do sentido do universo. Há armas que estragam por dentro, deixando cavidades irreparáveis na epiderme. Há armas de metal pequeno que furam os caminhos harmônicos do corpo deixando ao sair rastros vermelhos e retalhos de carne. Há armas que estouram ao pisá-las, semeando órgãos sangrentos nas areias naturais. Há armas que matam lentamente: na sua agonia atômica o corpo perde a pele e os cabelos e acaba a vida entre vômitos vazios, impotentes. Há armas que matam muitos anos depois, de câncro e de cegueira. Há armas que deixam mapas queimados na pele, como macabras metáforas dos territórios ocupados: a Beira Oeste, a Faixa de Gaza, Irlanda. Há armas que asfixiam e armas que desmembram. E há armas que assassinam legalmente nas câmaras esterilizadas dos presídios, armas que eletrocutam com consenso, armas policiais que derrubam sujos ladrões urbanos na cumplicidade da noite, armam de álcool legitimado, armas de poderosas seringas, armas de palavras que insultam aos que falam ou escrevem diferente, armas anatômicas que violam meninas de dois anos, armas de tinta que assinam execuções e masculinas leis injustas.
Contra esta barbárie, contra este épico da morte, só nos cabe a insubmissão ativa. A insubmissão não é um ato político: é uma atitude, uma necessidade, uma aposta pela utopia que querem esmagar por lhes dar medo. Porque dá medo imaginar um lugar comum onde percamos a noção do ser e da história e onde sejamos apenas a extensão humana do azar, outra forma da matéria, cada um na sua carne e tocando a dos outros, no território sem poder que levará sempre a espécie humana à inteligência. A insubmissão é mais do que uma náusea por matar: é a necessária revolta contra esta epopéia de miséria. Poderão desaparecer as castas militares. Poderemos aprender a controlar-nos mutuamente, sem pistolas, no consenso. Poderemos fingir que chegamos já ao limite da igualdade. Mas, enquanto existirem os presídios, as favelas, os bairros crematórios, enquanto existir uma fronteira real, existirá o exército.

Máximo Gorki
"É necessário ter-se nascido numa sociedade civilizada para se ter a resignação de viver nela toda a vida sem nunca sentir o desejo de libertar-se dessa esfera de convenções fátuas, de venenosas mentiras consagradas pelo uso de ambições mesquinhas e partidarismos acanhados, de diversas formas de falta de sinceridade, em uma palavra, de toda a loucura da vaidade que gela o coração, corrompe a inteligência, e tão insensatamente se chama vida civilizada. Nascido e criado fora desta sociedade, impossível se me torna aceitar essa cultura em doses fortes, sem experimentar logo a necessidade imediata de fugir para muito longe das suas complicações e absurdos."
Gorki, escritor, romancista, dramaturgo e ativista político russo.




quinta-feira, 1 de maio de 2014


"Não sinto nada mais ou menos, ou eu gosto ou não gosto. Não sei sentir em doses homeopáticas. Preciso e gosto de intensidade, mesmo que ela seja ilusória e se não for assim, prefiro que não seja.
Não me apetece viver histórias medíocres, paixões não correspondidas e pessoas água com açúcar. Não sei brincar e ser café com leite. Só quero na minha vida gente que transpire adrenalina de alguma forma, que tenha coragem suficiente pra me dizer o que sente antes, durante e depois ou que invente boas estórias caso não possa vivê-las. Porque eu acho sempre muitas coisas - porque tenho uma mente fértil e delirante - e porque posso achar errado - e ter que me desculpar - e detesto pedir desculpas embora o faça sem dificuldade se me provarem que eu estraguei tudo achando o que não devia.
Quero grandes histórias e estórias; quero o amor e o ódio; quero o mais, o demais ou o nada. Não me importa o que é de verdade ou o que é mentira, mas tem que me convencer extrair o máximo do meu prazer e me fazer crer que é para sempre quando eu digo convicto que "nada é para sempre."
Gabriel García Márquez


El Gabo, hoje o mundo ficou na maior solidão, terminou teu bolero, mas “não vamos chorar porque terminou”, temos certeza que tu esta em algum Olimpo ou em Abya Yala, tão feliz como nos tempos em que escreveste “O Amor em Tempos de Cólera”. Nós e todas as putas, além das tuas, ficamos tristes, mas somos felizes porque vivemos no teu realismo mágico, nesta América Latina na “Utopia da Esperança” de dias melhores.
Macondo, 17 de abril de 2014.