terça-feira, 21 de julho de 2009




SÍNCOPE

Toc-toc na aldrava
Noites de tempestade
Cães ladravam
uivavam
Toc-toc
Bateu em minha porta
Um espectro de capote
Chapéu contra luz
Escondia a face
Olho branco que reluz
Nada era como antes
Na mão não era uma cruz
Gadanho relampejante
Assim nada falou
Este macabro andante
Apenas me olhou
Como num verso de Poe
A minha sorte mudou
Me visitava Tanatos
Chegava a minha morte.

Minha homenagem a Edgar Allan Poe, representante do gótico americano de sentimentos a flor da pele, de morbidez e monomanias irracionais. A seguir a primeira estrofe do seu poema mais popular, "O Corvo" de 1845 e minha versão preferida em portugues feita por Fernando Pessoa.

"Numa meia-noite agreste, quando
eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências
ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que
parecia
O som de alguém que batia
levemente a meus umbrais.
Uma visita, eu me disse, esta
batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

Se a modernidade é liquida, em liquidos também se encontram miasmas, então convém lembrar "Augusto dos Anjos", com sua poesia de conteúdo que subverte o pré-moderno, melancólico, de dor, horror e morte.

"Sou uma sombra! Venho de outras eras."

"Como um pouco de saliva quotidiana
Mostro meu nojo a natureza humana
A podridão me serve de evangelho...
Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques
E o animal inferior que urra nos bosques
É com certeza meu irmão mais velho!"

Uma das minhas preferidas - Jaime, inverno 2009.

"Os grandes poetas morrem em fumegantes penicos de merda." C. Bukowski.

CURRAL DE DEUS

Morro das Mortes meu paraiso
Meu despiste
Meu Auschwitz
Meu encanto perdido

Morro das Mortes que não me vê
Me aponta, me amarga
Zomba de minhas calças largas
Quero minha lata de Zyklon-B

Morro das Mortes as vezes nazista
De homens de muitas rezas
Que escondem a vida que levam
Conservadores, elitistas

Posses soberbas, incultas
Com máscaras feito artistas
De sedução e repulsa

Alguns meigos são meus
Outros sorrissos me assustam
Neste curral de Deus.

Jaime - inverno 2009

Minha província é meu paraiso, mas algumas vezes sofre o meu escárnio como um Bukowski depravado.

FUNERAL

Eu via
Entre a fresta da janela
Da sala fria
O cortejo fúnebre
Num dia húmido
De tons lúgubres.

Eu ouvia
Os passos acompanhantes
Um chiar de sapatos
Em compassos andantes
Cabisbaixos no asfalto.

Eu sentia
O peso do ataúde
Na troca de mãos
Compassivos e rudes
Como numa prova
Levavam o féretro
A caminho da cova.

Eu ouvia
Por entre névoas
A marca do esquife
O sino em repique
Uma parada macabra.

Eu via
Pela frincha o sineiro
No campanário
Um quasímodo ordinário
Funesto
Suado
Controlando o badalo.

Eu sentia
O frio do inverno
O nada eterno

Eu ouvia
O sibilar da morte
Do alísio do norte

Eu não vejo
Céu ou inferno
Apenas
Um dia menor
A falta de sorte
Flores e lutos
No séquito da morte.

Jaime, inverno de 2009.

Aos funerais que eu observava pela fenda da janela na cidade do interior.

segunda-feira, 20 de julho de 2009


Se o mundo tem Samuel Beckett, nós temos o Zé Limeira " O Poeta do Absurdo"

"Jesus foi Home de fama
Dentro de Cafarnaum …
Feliz da mesa que tem
Costela de gaiamum …
No sertão do cariri
Vi um casá de siri
Sem cumprimisso nenhum".
"Napoleão era um
Bom capitão de navio:
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio,
Foi poeta e demagogo,
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio".
"Meu verso merece um rio
Todo enfeitado de coco,
Boa semente de gado,
Bom criatório de porco …
Dizia Pedro Segundo
Que a coisa melhó do mundo
É cheiro de arroto choco"
"É difice um home moco
Apredê pirnografia.
Um prefessô de francês
Honestamente dizia:
Tempo bom era o moderno
Judas só foi pró inferno
Promode a Virge Maria".
"São Pedro, na sacrïstia,
Batisou Agamenon …
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califon,
Montado na sua idéia,
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e piston".

Zé Limeira.